Dentro da história do cristianismo sempre existiu o desafio de identificar e definir critérios de relacionamentos entre os homens e do homem para com Deus. Este desafio torna-se mais urgente no mundo pós-moderno, quando o relativismo é um fenômeno comum e corriqueiro. É relevante e interessante a máxima bíblica que estabelece o modelo relacional entre os homens e do homem para com Deus a partir da resposta dada por Jesus ao questionamento malicioso de alguns fariseus:

“Dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar o tributo a César, ou não? Jesus, porém, conhecendo a sua malícia, disse: Por que me experimentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo. E eles lhe apresentaram um dinheiro. E ele diz-lhes: De quem é esta efígie e esta inscrição? Dizem-lhe eles: De César. Então ele lhes disse: Dai pois a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.” (Mt 22.17-21)

A resposta de Jesus revela o tratamento divino com as contingencias da vida caracterizada pela injustiça, corrupção e desigualdade. Em uma primeira analise esperava-se de Jesus uma revolta e atitude objetiva em relação às injustiças da vida cotidiana. Porém, parece que Jesus não priorizava os sintomas, mas focalizava a causa de toda desigualdade – o pecado. Isto incluía também a forma injusta de relacionamento entre o estado e o povo. Jesus sabia que o imposto cobrado por Roma era arbitrário e injusto, contudo, Jesus conhecia os modus operandis que sempre determinaram os relacionamentos entre os homens extraviados da graça divina – injustiça, escravidão e desigualdade.

Na verdade, a figura de César representava um sistema humano que procurava regimentar os comportamentos e relacionamentos entre as pessoas, inclusive entre a sociedade e o estado. Este sistema sempre perpetuou dentro da historia e se manifestou em diversas formas de governos e maneiras de viver em comunidades, onde existiram sempre os deveres, obrigações e direitos, sendo eles justos ou não. Enquanto isto, o alvo do evangelho sempre foi o estabelecimento do Reino de Deus nos corações humanos para que os reflexos desta nova realidade interna se concretizassem na vida diária das pessoas através da igualdade, da justiça, e da paz.

As obrigações para com César quase sempre foram caracterizadas pela injustiça e desigualdade, expressando apenas o que é comum na vida de uma sociedade que se rebelou contra Deus. Porém, temos a segunda parte da resposta de Jesus aos fariseus como sendo a mais importante: “Daí a Deus o que é de Deus”. Enquanto que, no relacionamento de deveres e obrigações entre os homens e César as coisas acontecem no plano da violência, força e desigualdade, no relacionamento com Deus a dinâmica dos deveres e obrigações deve acontecer no plano da liberdade e da voluntariedade. A diferença é descomunal e incomparável.

Enquanto que, o símbolo do poder humano é o dinheiro, o símbolo do poder divino é a graça. Deus requer a obediência voluntaria, enquanto que, César exige o sacrifício. Mt. 12. 7. Deus espera a adoração em espírito e em verdade, César requer o condicionamento humano para a adoração. Joao 4. 21-23. Deus requer o louvor ao Senhor do Templo, enquanto que César exige o culto e veneração ao templo. Mt 12.6. Enquanto que, César espera por obras de madeira, palha e feno (temporais), Deus aguarda por obras de ouro, prata e pedras preciosas (obras que transcendam o tempo e perdurem na eternidade) 1 Co 3.12

Uma vez definida a diferença básica dos princípios que pautam as obrigações para com César e para com Deus, surge outra incógnita – é possível o homem confundir e dar a César o que pertence a Deus, enquanto que, oferece a Deus o que pertence a César? Certamente que, a ignorância neste assunto pode fatalmente proporcionar esta inversão, conduzindo o homem a dar a César o que é exclusivamente de Deus, enquanto que, oferece a Deus o que pertence a César.

Inúmeras pessoas neste exato momento pensam que Deus é como César e procuram se relacionar com Ele através do medo, barganhas, e sacrifícios. Quantas pessoas estão entregando a glória que pertence somente a Deus para César! Infelizmente o culto a César (ao homem) vem ganhando grandes proporções em muitos redutos cristãos, uma vez que, o culto é exclusivamente de Deus. Várias pessoas atualmente servem a Deus por obrigação como se servissem a César, enquanto que, para Deus tudo deve ser realizado através de um coração voluntário. Quantos pensam que podem chamar a atenção de Deus através de feitos humanos, enquanto que, na verdade Deus habita com o coração contrito e quebrantado.

Sendo assim, devemos a Deus mais do que as coisas superficiais e temporais da vida, mas, sobretudo as coisas que habitam o âmago do nosso ser, que redundarão na eternidade. Porém, enquanto existir duvida entre o que pertence a César e a Deus, certamente haverá a inversão de valores e correremos o risco de dar a César o que pertence a Deus, enquanto que, damos a Deus o que pertence a César. Que o Senhor ilumine com sua palavra e Espírito e nos conduza para a plenitude da consciência e discernimento em Cristo Jesus!


Autor: Samuel Torralbo
Fonte: Pulpito Cristão