A história do plano de Deus registrada na Bíblia começa com estas palavras: “No princípio criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1). Tudo o que acontece no restante do drama, tanto no Velho Testamento quanto no Novo, tem a ver com essas duas esferas.

A frase sobre a criação dos Céus e da Terra tem um significado duplo. Não se tratava apenas de mostrar que Deus criou uma Terra física e um espaço sideral (Céu) cheio de astros. Era explicar que houve duas criações: o mundo material e visível, por um lado, e o mundo espiritual e invisível por outro.

Veja como a Bíblia contrasta as duas esferas: “Os céus são os céus do Senhor, mas a terra, deu-a ele aos filhos dos homens” (Sl 115.116). Deus deu autoridade para o homem sobre a Terra, mas não sobre os Céus.

No livro de Mateus, no Novo Testamento, Jesus fala sobre os Céus: “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus” (Mt 5.3); um pouco adiante, fala também sobre a Terra: “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra” (v. 5).

No capítulo 6, Jesus ensinou seus discípulos a orar assim: “Venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como nos céus” (v. 10).

Como judeu messiânico, tenho oportunidades de ministrar tanto a judeus quanto a cristãos. É impressionante ver como os judeus conseguiram preservar muito bem o plano de Deus no que diz respeito à Terra, enquanto os aspectos relacionados ao Céu são mais claros para os cristãos. Quando falo com o povo de Israel sobre o Céu, eles parecem não me entender muito bem. Por outro lado, quando falo sobre o Reino de Deus na Terra, há uma compreensão muito maior. Já, com os cristãos de modo geral, ocorre o contrário. Compreendem muito bem o reino espiritual no Céu, mas se mostram confusos sobre o que Deus quer fazer, exatamente, aqui na Terra.

Para tentar esclarecer esse assunto, vou explicar, em poucas palavras, como entendo o plano de Deus conforme revelado em sua Palavra.

O início do mundo material

No princípio, Deus, que é Espírito, decidiu fazer um mundo material. O mundo material e o mundo espiritual coexistiriam em harmonia, sendo que o mundo espiritual, habitado por Deus e pelos anjos, estaria acima do material. Deus quis fazer um planeta material, com pessoas materiais, porque queria morar dentro dessas pessoas no mundo físico e visível. Talvez, não tenhamos capacidade de compreender por que ele quis assim, mas é isso o que a Bíblia revela.

Deus não estava satisfeito só no mundo espiritual com seres celestes. Ele gosta da ideia de espírito viver dentro de um corpo. É assim que ele quer. Por isso, depois de fazer o mundo material, na presença dos anjos e do mundo espiritual, ele criou o ser humano do pó da terra, à sua própria imagem. Depois, soprou sua própria vida para dentro do homem, para dar-lhe uma parte de si mesmo. Não foi a plena habitação de Deus nele, mas foi o começo, o primeiro estágio. Assim, o homem tornou-se um ser vivo, metade pó da terra e metade Deus. Esse foi o primeiro Adão.

Porém, Deus ainda não estava satisfeito. Seu plano não era habitar em apenas um indivíduo. Por isso, tomou o homem, tirou dele uma costela e fez a mulher. Então, disse-lhes: “Sede fecundos e multiplicai-vos”. Ele queria ter muita gente para poder morar em todos eles, num mundo perfeito e bonito.
Para poder ter um relacionamento com o homem e a mulher e habitar neles, Deus lhes deu o livre arbítrio. Também lhes deu uma missão e a autoridade para executá-la. Disse-lhes: “Tomem domínio sobre toda a Terra; dou a vocês autoridade sobre todo o planeta, sobre todos os seres vivos”.

Quando Deus diz uma coisa, sua palavra não pode mudar; ela permanece para sempre. Para nós, pode até parecer um grande erro Deus ter dado o livre arbítrio ao homem e colocado o planeta em suas mãos. Mas ele sabia o que estava fazendo.

Problemas no mundo espiritual

No mundo espiritual, havia anjos, que também foram criados à imagem de Deus, porém sem corpo físico. Os anjos se parecem conosco porque Deus também os fez à imagem dele. Os anjos são filhos de Deus no sentido espiritual, enquanto nós o somos no mundo material. Acima de todos os anjos no Céu, estava o Filho de Deus, o comandante dos exércitos do Céu.

Embora não seja possível provar, podemos inferir das Escrituras que havia três anjos principais que comandavam todos os demais: Miguel, Gabriel e Heilel Ben-Shachar, que significa luz da manhã em hebraico, ou Lúcifer (o mesmo significado em latim). Todos os três anjos eram bons, mas o terceiro aparentemente ficou com inveja de Jesus e queria pegar a glória dele para si mesmo; queria tomar o lugar de Deus.

Ao ver que Deus dera o mundo para Adão, Lúcifer formou um plano estratégico, pensando ser muito mais esperto que o homem. Embora seu desejo inicial fosse ser deus sobre os Céus, ele reconhecia que isso seria impossível. Jeová era muito santo e forte; não daria para enfrentá-lo diretamente. Resolveu, então, aceitar um nível menor e descer à Terra. Lá, ele poderia subjugar a raça humana e contentar-se em ser deus sobre os seres humanos. Dominaria o mundo físico, já que não teria condições de vencer Deus no mundo espiritual.

E foi exatamente isso o que fez: enganou Adão e Eva e induziu-os a pecar. A partir daquele momento, o homem passou a ser dominado por Satanás (que significa inimigo). Dominando o homem, Satanás passou a ter poder também sobre o planeta e a ser o deus deste mundo – não por direito como Deus era, mas por ter roubado o domínio pela tentação e pelo pecado.

“É muito simples”, Satanás pensou. “Sempre que algum ser humano nascer, será uma moleza: eu o tentarei e o farei submeter-se a mim. Dessa forma, serei o deus deste mundo.”

Neste momento, podemos perguntar: “Mas por que Deus não o destruiu?”

Porque o diabo, ele próprio, não fez nada! Apenas enganou Adão e Eva e os induziu a pecar. Para Deus se livrar de Lúcifer, ele teria de livrar-se, também, de Adão e Eva e de todos os seres humanos! Teria de desistir de seu próprio plano.

Assim, Deus ficou numa “enrascada”. O diabo disse: “Eu o peguei! Você deu a Terra para os homens, não pode voltar atrás com sua palavra e não vai consegui-los de volta, porque posso enganá-los e levá-los a pecar. Agora tenho autoridade sobre este mundo; você pode ser o Deus do Céu, mas eu sou o deus deste mundo e não há nada que o Senhor possa fazer.”

Então, Deus lhe respondeu: “Por enquanto, você pode até ter razão, mas vou trazer uma semente pela mulher, um ser humano, que um dia virá e derrotará você, tomará a Terra e a trará de volta para mim”.

Antes de Adão e Eva pecarem, o Céu e a Terra estavam interligados. Os rabinos dizem que era como um sobrado, com uma escada entre os dois andares. Havia acesso diário entre o homem e Deus; o homem podia ver Deus, e Deus visitava o homem. Tinham comunhão um com o outro. Mas, quando Adão pecou, Deus precisou afastar-se do homem. Colocou uma separação entre o Céu e a Terra, uma barreira que impedia o homem de ver Deus. Além disso, o homem foi expulso do jardim do Éden, e Satanás foi condenado a ficar preso na esfera que escolheu, no pó da terra.

A estratégia do diabo

Saindo do jardim do Éden, o homem foi para o oriente, onde fica Babilônia, e começou a multiplicar-se. Foi ali o berço da civilização. E Satanás estava preocupado com o que Deus lhe dissera, que uma semente da mulher viria e esmagaria sua cabeça.

Como aconteceria isso? Muito simples: por meio de alguém que não pecasse! Nesse caso, ele não estaria sob o domínio de Satanás e voltaria a ter a autoridade dada por Deus sobre o planeta. Qualquer ser humano que não pecasse teria autoridade sobre o diabo. Pena que durante tantos séculos ninguém tenha conseguido!

Enquanto isso, o diabo ficava sempre procurando a semente da mulher, tentando descobrir quem era a pessoa que ameaçaria seu domínio para poder destruí-la antes que isso acontecesse. Já na primeira geração, Adão e Eva tiveram dois filhos, Caim e Abel. Vendo que Abel era bom, que obviamente seria esse que Deus usaria para trazer a semente da mulher, o diabo logo influenciou Caim e induziu-o a matá-lo.

“Está vendo?”, o diabo desafiou Deus. “Sempre vou ganhar. Todas as pessoas que nascerem no mundo ou serão boas ou serão más. Se forem más, já são minhas. Se forem boas, vou matá-las. De todo jeito, eu ganho.”

Depois da morte de Abel, Deus levantou outra descendência em Sete, procurando em uma geração após outra achar um grupo de pessoas leais a ele a fim de introduzir sua semente na Terra, destruir o diabo, redimir o homem e unir novamente o Céu e a Terra. Porém, a situação foi ficando cada vez pior, até que todos estavam corrompidos, dominados pelo inimigo. Quando parecia que não haveria ninguém, que Deus teria de destruir todos e liquidar seu plano, ele encontrou uma pessoa com quem poderia andar e relacionar-se.

Assim, Deus julgou o mundo com o dilúvio, mas preservou Noé e toda a sua família e, com eles, seu plano redentor. Quando saíram da arca, depois que as águas baixaram, ele lhes deu a mesma ordem que havia dado originalmente a Adão e Eva: “Sejam fiéis, entrem em aliança comigo, multipliquem-se, encham a Terra e assumam o domínio sobre ela”. Essa é a primeira ordem de Deus ao homem: tomar posse e exercer domínio sobre toda a Terra.

Recomeçando com Abraão

O diabo, porém, continuou com sua estratégia, tentando os que eram maus e matando os que eram bons. Passaram-se muitos anos antes que Deus encontrasse alguém. Finalmente, apareceu Abraão, um homem fiel, na terra que hoje é o Iraque, dois mil anos depois de Adão.

Então, Deus lhe disse: “De todos os povos na Terra, você é a única pessoa em quem achei lealdade. Façamos uma aliança entre nós: seja leal a mim e eu serei leal a você; darei somente a você, entre todos os filhos da humanidade, os direitos de propriedade sobre todo este planeta.”

A primeira coisa que Deus lhe pediu foi que saísse do Iraque e fosse para o ocidente. Por quê? Porque quando Deus expulsou Adão e Eva do jardim, por causa de sua infidelidade, ele os enviou para o oriente. Agora, ao encontrar um homem fiel, Deus o chamou para o ocidente, ou seja, na direção contrária, para voltar ao lugar de onde Adão saíra. Deus lançou Adão fora, mas chamou Abraão para voltar. Ele queria recomeçar com Abraão o que pretendia fazer com Adão.

É importante entender que Deus não estava propondo que Abraão fosse dono apenas de uma pequena faixa de terra no Oriente Médio; na verdade, era o primeiro passo para assumir controle sobre toda a Terra. Tinha de começar em algum lugar: onde seria melhor? No mesmo lugar onde havia colocado Adão originalmente.

Deus poderia ter começado com qualquer pessoa íntegra. Deus não escolheu Abraão por outra razão. Não o escolheu por ser judeu (porque não existia a raça judaica ainda), mas simplesmente porque era honesto e fiel.

Deus fez uma aliança com Abraão, e Abraão tinha uma aliança de casamento com Sara. Então, Deus e Sara ficaram vinculados por intermédio de Abraão. Deus queria que os filhos dele nascessem da fé e não da capacidade natural; por isso, tornou Sara temporariamente estéril. Abraão teve de esperar e esperar, e Sara ficou impaciente. Aconselhou Abraão a ter um filho com sua serva Hagar. Qual seria o problema com isso? O problema não era Ismael, porque para Deus não há diferença entre árabes e judeus; todos são iguais. A questão não era entre Isaque e Ismael; era Sara. Deus tinha uma aliança com Abraão, e Abraão tinha uma aliança com Sara, não com Hagar. Como Deus podia trazer um Salvador ao mundo por meio de alguém que não tinha aliança com ele? Impossível!

No fim, Deus fez um milagre sobrenatural, e Sara teve o filho da promessa com 90 anos de idade. Mas ainda faltava outro passo no plano de Deus. Para poder levar o homem a tomar novamente o domínio sobre a Terra, era necessário primeiro livrá-lo do pecado.

Por isso, disse a Abraão: “Vou levar você para um lugar específico; você não sabe onde é nem por que é preciso ir. Apenas obedeça! Leve seu filho para esse lugar, para o monte que lhe mostrarei e sacrifique-o ali”.

Abraão obedeceu e preparou o filho para sacrificá-lo. No último instante, quando Abraão estava com a faca erguida, Deus o impediu. Abraão não podia sacrificar Isaque porque Isaque não era o Messias; era apenas uma figura do Messias. Porém, o fato de Abraão ter-se disposto a sacrificar Isaque deu a Deus a permissão de sacrificar o Filho dele.

Veja, Deus deu autoridade nesta Terra para os homens e, por conseguinte, não pode simplesmente fazer o que quer. Ele precisa fazer as coisas aqui por meio de parcerias, com nossa permissão. Deus já tinha um plano de sacrificar Jesus, mas ele não podia executá-lo sem a permissão do homem. Foi quando encontrou um parceiro de aliança em Abraão, que se dispôs a sacrificar o próprio filho, que Deus obteve permissão para dar Jesus pelos nossos pecados.

Foi por isso que Deus bradou do Céu a Abraão no monte e disse-lhe: “Pare agora; você não entende o que aconteceu nem precisa entender, mas por ter-me obedecido, você se tornou efetivamente meu parceiro de aliança. Isso é suficiente, e posso lhe dizer que, por intermédio de seu filho Isaque, virá a semente que prometi a Adão e Eva. Por essa semente, todas as nações da Terra serão abençoadas, todas as nações do mundo serão salvas porque você me obedeceu e seguiu a minha aliança. Por causa de sua fidelidade, por ser meu parceiro de aliança, é a sua semente que trará o Salvador para destruir Satanás e o pecado e tomar a Terra de volta para o Reino de Deus. Vou começar com esse pequeno pedaço de terra porque você ainda é uma família pequena.”
A aliança de Deus com Abraão incluiu os aspectos da semente, da terra e do sacrifício, tudo o que era necessário para o plano de redenção.

De um indivíduo para um reino

A partir daí, o plano continuou e passou de um indivíduo (Abraão) para uma família, da família para um grupo de tribos (os doze filhos de Jacó) e do grupo de tribos para uma nação. Quando a descendência da Jacó estava no Egito, multiplicando-se, Satanás começou a ficar nervoso. Havia já milhares de descendentes, e ele não conseguia saber quem era a semente prometida.

As principais armas de Satanás sempre foram assassinato e pecado sexual. Até hoje, a estratégia é a mesma: o espírito de Jezabel, que é mais forte no Ocidente e se manifesta por meio de pecados sexuais, e o espírito de Jihad no Oriente, que procura matar. O objetivo é o mesmo.

No Egito, então, Satanás começou a entrar em pânico: como iria parar a semente? Ela estava em algum lugar no Egito, mas ele não sabia quem era. Então, teve uma ideia horrível: “Já que não sei quem é, vou matar todos os meninos. Não preciso matar as mulheres porque sei que será um homem”.

Foi assim que Satanás usou faraó para tentar matar todos os meninos hebreus que nascessem. Foi uma tentativa de impedir a semente de vir à Terra, mas Deus interveio, protegeu Moisés e usou-o para tirar a nação do Egito.

Vamos saltar para a época de Davi agora. O pensamento de Deus é tomar de volta todo o planeta. Ele não estava procurando apenas uma família ou um pequeno país. Seu objetivo é um império sobre toda a Terra. No tempo de Davi, o plano de Deus já havia progredido, e havia uma nação na terra prometida. Estavam prontos para o próximo passo, para constituir um rei. Não era um império ainda, apenas uma nação, mas precisava de um rei. E Deus procurou até achar outro homem, assim como achou Abraão, um homem que lhe fosse leal. Era um jovem pastor, um garoto cujo coração era reto. E Deus mandou ungi-lo como rei sobre seu povo.

Anos depois, quando Davi estava sentado em seu palácio, ele olhou para a tenda que abrigava a arca, o símbolo da habitação de Deus, e pensou: “Isso não está certo; como posso morar num palácio, e Deus ficar nessa pobre barraca? Vou construir uma grande casa real para Deus”.

Na verdade, Davi errou em parte e acertou em parte. Por isso, Deus enviou um profeta para dizer o seguinte (estou traduzindo com minhas palavras): “Olhe, Davi, eu não preciso de uma casa nem de um templo; você está errado sobre isso. Entretanto, você é a primeira pessoa na história que entendeu que eu não quero ficar no Céu, que estou querendo sair daqui e ir morar na Terra”.

Ninguém havia entendido isso até aquele momento. Davi havia dito: “Vou fazer uma casa e convidar Deus para morar na Terra, aqui perto de mim, no meio do povo dele”.

Deus ficou tão comovido com isso que mandou o profeta dizer a Davi: “Já que você entendeu que não quero ficar no Céu, que estou procurando voltar para a Terra, é você e a sua semente que terão o reino. Eu prometo a você que o reino será seu para sempre e sempre, para toda a eternidade!”

Davi ficou atônito. “Para sempre? Como? Não estou entendendo! O Senhor está me abençoando para toda a eternidade?”

“Sim, você não entende agora, mas o fato de você me convidar para morar aí é que me dará acesso eterno a essa Terra.”

Deus ainda orientou Davi sobre o lugar onde Salomão, seu filho, construiria o templo – no mesmo local onde Abraão ofereceu Isaque e, possivelmente, no mesmo lugar onde Adão e Eva pecaram. Não posso provar este último fato, mas creio que há alguns indícios para isso na Palavra. Nesse mesmo lugar, no Monte Moriá, Jesus também seria crucificado (Gólgota fazia parte da mesma cordilheira, conhecida como Monte Moriá).

A Semente da Mulher

Dando mais um salto no tempo, para a época do evangelho de Mateus, no Novo Testamento, o momento estava finalmente chegando para a semente verdadeira nascer na Terra. Mateus apresenta Jesus como filho de Davi e filho de Abraão. Esses dois nomes foram destacados na genealogia, porque Deus fizera aliança com eles para trazer seu Filho ao mundo. Abraão foi o primeiro homem justo, e Davi foi o primeiro a convidá-lo para a Terra. Jesus tinha de nascer da linhagem deles; não poderia ser de outra forma. Finalmente, quatro mil anos depois de Adão, o tempo estava maduro.

Logo após o nascimento de Jesus, vemos Satanás mais uma vez tentando matar a semente. Ele não é onipotente nem onisciente, e não sabia quem era a semente. Só sabia que as pessoas estavam falando de seu nascimento e do cumprimento das profecias. Quando os magos falaram com Herodes sobre um rei que nasceu em Belém, Satanás entrou em Herodes e o levou a matar todos os meninos recém-nascidos na cidade. Porém, Deus avisou José, e ele tirou sua família de lá a tempo.

Jesus cresceu e chegou à idade de 30 anos. Pela primeira vez na história, havia um ser humano que nunca pecara. Era um homem que nascera da aliança de Deus com Abraão e Davi; ao mesmo tempo, era o Filho de Deus, o cabeça de todos os exércitos celestiais de anjos, o único ser mais forte do que Lúcifer. Os únicos dois anjos que poderiam talvez empatar com Lúcifer em poder seriam Miguel e Gabriel. Mas só existia um ser no universo mais forte do que ele, e Deus o introduziu secretamente na Terra.

Mais uma vez, é essencial explicar por que Deus não destruiu Satanás antes se ele tinha todo o poder e os recursos para fazê-lo. Deus deu o planeta Terra à raça humana e, portanto, só um ser humano poderia tomá-lo de volta. Como capitão do exército de anjos no Céu, Jesus poderia simplesmente ter vindo e matado Satanás, sem nascer como homem e sofrer neste mundo. Porém, se tivesse agido assim, Deus teria perdido o planeta Terra por toda a eternidade.

Foi por isso que Jesus precisou nascer aqui, num corpo feito do pó da terra, para poder redimir a Terra e tomá-la de volta para Deus. Jesus precisou de um corpo humano, o mesmo corpo de Adão, por duas razões: para ganhar o direito legal de salvar todos os seres humanos e para retomar domínio sobre o planeta Terra.

Satanás não sabia quem Jesus era até o dia em que foi batizado, quando João o anunciou como Filho de Deus, e o Espírito Santo veio sobre ele com testemunho audível do Céu. Logo em seguida, Satanás foi tentá-lo no deserto.
“Muito bem, agora sei que é o Filho de Deus; embora seja mais forte do que eu, você está jogando no meu território e tem um corpo humano. Eu tenho muita experiência com corpos humanos e sei como tentá-los. Consigo tentar qualquer pessoa que tem corpo humano.”

Então, Satanás levou Jesus a um lugar alto e mostrou-lhe todos os reinos deste mundo. Não era uma tentação comum. Jesus nasceu justamente para tomar todos os reinos de volta para Deus. Era exatamente este o seu destino, o propósito de sua vida. Satanás ofereceu-lhe tudo por um instante de adoração, por um ato de dobrar o joelho diante dele.

Jesus estava debilitado fisicamente depois de jejuar por 40 dias. Mas olhou firmemente para o diabo e disse: “Sua tática não funcionou, saia da minha frente!” Daquele momento em diante, Jesus tomou a autoridade do diabo. Até então, Jesus não havia realizado nenhum milagre, curado nenhum enfermo nem expulsado nenhum demônio. Mas, quando saiu dali, tornou-se o primeiro ser humano a enfrentar e vencer Satanás. A partir dali, tinha toda autoridade sobre demônios, enfermidades e até a morte.

De onde veio sua autoridade para expulsar demônios? Do fato de ser Filho de Deus? Não! Para usar sua autoridade de Filho de Deus, não precisaria ter vindo ao mundo. Ele expulsou demônios com a mesma autoridade que Deus dera a Adão. Adão poderia ter feito a mesma coisa!

Jesus sempre dizia: “Sou filho do homem”. Na verdade, estava dizendo: “Sou filho de Adão. Vim como filho de Adão e estou tomando a autoridade que Deus deu a ele. Digo aos demônios: ‘Saiam!’ Digo às pessoas: ‘Vocês têm um corpo feito do planeta Terra, mas eu tenho domínio sobre a Terra e posso curar seu corpo’.”

Deus deu autoridade a Adão sobre tudo o que se movia sobre a Terra, o que agora incluía os anjos que deixaram o céu. Por isso, Jesus dizia: “Agora vocês estão no meu domínio, então ‘saiam!’ ”

Ele também pregava o Reino. “Aqueles de vocês que são mansos e têm um coração certo herdarão a Terra, assim como Abraão e Davi. Se vocês tiverem um coração humilde e confiarem em mim, lhes darei de volta o planeta Terra.”
Os discípulos pediram que lhes ensinasse a orar. “Orem assim”, Jesus disse. “Venha o teu reino, ó Deus, seja feita a tua vontade na Terra, na Terra, como no Céu.” Essa é a única oração que faz algum sentido dentro do plano de Deus revelado em toda a Bíblia.

Na minha experiência, porém, quando ouço os cristãos repetindo essa oração, eles não estão orando com sinceridade. Na verdade, não entendem o que estão dizendo. O que estão pensando, de verdade, é: “Nosso Pai que estás nos céus, venha o teu reino. Livra-me desta Terra, pois não gosto dela e quero morar no Céu para sempre. Na verdade, eu nem ligo para esta Terra; pode deixá-la para o anticristo e para o diabo. Quero estar aí em cima com o Senhor”.

Vitória pela morte

Ainda havia mais um passo importante para Jesus obter vitória total sobre o diabo. Ele teve de ser pregado numa cruz, numa árvore (ou madeiro). No Velho Testamento, não havia a palavra cruz. Só conheciam a palavra árvore, e era essa palavra que os apóstolos usavam quando se referiam à cruz. O pecado que começou numa árvore no jardim do Éden foi resolvido e eliminado na árvore que foi a cruz de Jesus. Foi ali que o pecado de Adão foi revertido, a cruz no lugar da árvore e Jesus no lugar de Adão. Pessoalmente, creio que a cruz foi colocada no mesmo local em que a árvore se situava no jardim. Não posso provar isso, mas entendo que foi assim.

Depois, Jesus foi sepultado. Seu corpo estava embaixo da terra, e seu espírito desceu para o inferno. Satanás pensou: “Finalmente ganhei! Jesus deve ter-se contaminado com orgulho, e Deus o está rejeitando. Eu ganhei, venci Jesus!”

Porém, a cruz não foi somente o lugar onde Jesus nos redimiu dos nossos pecados; foi, também, um truque, uma emboscada para Satanás. Jesus deixou todo o mundo pensar que estava sendo julgado, condenado por algum pecado, derrotado em sua missão. O próprio diabo foi enganado. Quando Jesus morreu, e seu espírito não foi para o Céu, mas para o inferno, o diabo pensou: “Eu o peguei, agora vou torturá-lo!”

Mas no terceiro dia, o poder de Deus entrou em Jesus, e ele ficou de pé. Agora era ele que estava dizendo: “Eu o peguei, inimigo! Enganei-o! Você caiu na armadilha!”

Veja bem: esta foi a primeira vez que Satanás fizera algo totalmente por conta própria, sem usar um ser humano. Ele sempre conseguiu agir como os chefes da Máfia, que a polícia não consegue pegar mesmo sabendo exatamente quem são. Como usam subordinados para fazer suas maldades, nunca são condenados, porque eles próprios não cometeram crime algum.

Mas, enfim, Jesus pegou o diabo. “Estou esperando por isso há 4 mil anos. Você é uma serpente enganosa, sabe que amo o ser humano e não quero destruí-lo, mas sempre se esconde por trás dele. Eu não podia pegar você sem destruir a humanidade, mas agora você caiu na emboscada!”

Então, Jesus pegou as chaves do diabo, as chaves do inferno e as chaves da morte. Com o poder da vida divina, ele subiu e entrou novamente em seu corpo. Não deixou o corpo de lado para voltar direto para o Céu. Ele reassumiu o corpo porque era esse o propósito de Deus desde que criou os Céus e a Terra. O plano de Deus sempre foi, ainda é e sempre será viver dentro de um grupo de seres humanos que têm corpos físicos no planeta Terra. Não importa se você gosta ou não desse plano; é o que Deus quer e o que vai fazer!

A consumação final

Depois de ressuscitar, as últimas palavras de Jesus, no evangelho de Mateus, foram estas: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra” (Mt 28.18). Ele era a única pessoa no universo que tinha direito e poder para retomar a Terra e colocá-la sob a autoridade de Deus novamente. Ele era Filho de Deus e, depois da encarnação, filho de Adão também.

Nenhum dos anjos poderia ter feito isso, porque não eram filhos de Adão. Mesmo Jesus, quando estava no Céu, como Filho de Deus, não poderia ter feito isso. Foi preciso que ele abrisse mão de sua glória, que se despisse de sua posição celestial, que descesse para a Terra e se tornasse filho de Adão. Só depois disso, por ser tanto filho de Adão quanto Filho de Deus, é que obteve plena autoridade no Céu e na Terra. Mesmo que ajuntasse todos os bons anjos no Céu ou todas as pessoas justas do mundo, ninguém seria capaz de alcançar tal vitória; nem o próprio Deus Pai o seria; ninguém pôde fazer tal coisa a não ser Jesus, porque ele é Filho de Deus e filho de Adão.

Depois de ressuscitar num corpo transformado, Jesus voltou para o Céu, deixando ordem para que os discípulos esperassem a descida do Espírito e levassem o Evangelho a todo o mundo. Judeus e gentios começaram a aceitar e crer na Palavra que era anunciada. A eles, o apóstolo Paulo escreveu em uma de suas epístolas: “Se tiverem a mesma fé que teve Abraão, vocês serão herdeiros do mundo como descendentes de Abraão” (Rm 4.13).

Esse é o plano de Deus. Saímos pelo mundo, pregamos o evangelho e as pessoas que creem tornam-se participantes dessa mesma promessa. Quando Jesus voltar, de acordo com a sua palavra, ele ficará entre os Céus e a Terra e dirá: “Agora vamos unir tudo novamente, o Céu e a Terra”.

Satanás e todos os demônios serão expulsos, os pecadores serão removidos, as pessoas justas serão ressuscitadas num corpo físico, os santos que estão vivos terão o corpo transformado, e Deus virá morar dentro deles. O véu será tirado, a barreira removida, e homens e anjos estarão todos juntos com Deus conforme seu plano original. O planeta Terra será renovado, e Deus fará o que sempre desejou: viverá por seu Espírito num grupo de seres humanos, com corpos físicos, numa Terra maravilhosa.

O jardim do Éden será uma realidade novamente, só que abrangerá o mundo inteiro. Toda a Terra será governada por um rei, Jesus, a partir do centro, Israel. Haverá líderes sobre todas as nações do mundo, que serão os santos que foram ressuscitados. Haverá um reino, um império internacional, com Jesus como cabeça. Deus habitará no meio das pessoas, e tudo será perfeito, exatamente como Deus planejou desde o início.

O texto que descreve a consumação final desse plano secreto de Deus é Efésios 1.9,10: “Desvendando-nos o mistério da sua vontade, segundo o seu beneplácito que propusera em Cristo, de fazer convergir nele, na dispensação da plenitude dos tempos, todas as coisas, tanto as do céu como as da terra”. Deus reunirá de novo tudo o que está nos Céus e tudo o que está na Terra em Jesus. Ele ajuntará tudo para formar um só reino, Céus e Terra, Deus e homem, todos juntos por meio de Jesus.

Depois de muitas e muitas horas de estudo e pesquisa na Palavra, cheguei a esse entendimento do plano de Deus. A minha oração por você, leitor, é que Deus lhe conceda não apenas o entendimento, mas uma verdadeira revelação desse grandioso propósito divino. Já é hora de a Igreja preparar-se para tomar domínio sobre a Terra. Ela precisa preparar-se antes de Jesus voltar! Precisamos compreender que o Reino de Deus está, de fato, no Céu, mas também está na Terra. E é para a Terra que Deus quer vir a fim de estabelecer seu Reino para sempre. Jesus obteve toda autoridade nos Céus e na Terra e a deu aos seus discípulos. Nossa tarefa é pegar essa autoridade e usá-la para trazer todas as coisas sob o domínio do nosso Rei e para convidá-lo de volta para esta Terra. Que sejamos verdadeiramente tomados por essa revelação e paixão!


Autor: Asher Intrater
Fonte: Revista Impacto



A escatologia bíblica tem como objetivo estudar tudo o que está relacionado com o fim da história da humanidade na Terra. Não se limita ao retorno pessoal e visível do mesmo Jesus que já veio uma vez para consumar o plano de Deus na Terra com a ressurreição dos mortos, o juízo final e a inauguração do Reino eterno. Sobre esse fato central, nunca houve divergências fundamentais entre a maioria daqueles que se consideram verdadeiros cristãos (que creem na inspiração sobrenatural das Escrituras, na encarnação, morte e ressurreição de Jesus e na necessidade de um novo nascimento).

As divergências surgem quando se fala dos outros acontecimentos preditos na Bíblia que devem ocorrer antes e/ou depois da volta de Jesus, tais como uma grande tribulação, maior que qualquer outra já experimentada pelo povo de Deus (Dn 12.1; Mt 24.21), o surgimento de um anticristo, também chamado de besta (Ap 13.4) ou homem do pecado (2 Ts 2.3), e um período de mil anos (chamado milênio), durante o qual Satanás será preso e as fiéis testemunhas de Jesus reviverão e reinarão como sacerdotes com Cristo sobre a Terra (Ap 20.1-6).

Dentre várias outras questões, as maiores discussões históricas têm sido a respeito do milênio (se é um período literal ou simbólico e se ocorrerá antes ou depois da Segunda Vinda) e, mais recentemente, sobre a tribulação (se a Igreja estará na Terra nesse tempo ou se Jesus virá secretamente para arrebatá-la antes).

De forma bem resumida, vou apresentar as quatro linhas mais conhecidas de interpretação escatológica e o período em que cada uma surgiu na história da Igreja.

1. Pré-milenismo histórico

Durante os primeiros quatro séculos da história da Igreja, de acordo com vários documentos da época (como o Didaquê e a Epístola de Barnabé), predominava o que é conhecido como pré-milenismo, ou seja, a perspectiva de que Jesus voltará depois do período final de tribulação e antes do milênio de paz e justiça sobre a Terra. Somente depois desse milênio é que começará o Reino eterno.

Como já estavam sofrendo muitas perseguições, os cristãos primitivos entendiam que tribulação e sofrimento eram experiências “normais” para os discípulos de Jesus. Os líderes mais destacados, conhecidos como pais da Igreja, procuravam prevenir e preparar os cristãos para o sofrimento maior que estava por vir. Ao falar sobre o milênio, alguns o descreveram em termos bem terrenos, como uma época em que haveria grande prosperidade, abundância de frutos e harmonia na criação (como, por exemplo, Pápias, bispo de Hierápolis, na Frígia, início do segundo século).

Não havia unanimidade sobre o milênio, porém. Um dos pais do segundo século, Justino Mártir, mencionou o fato de que nem todos acreditavam em um milênio literal depois da vinda de Cristo, e que esse não era um ponto fundamental da fé cristã.

Apesar de o pré-milenismo ter sido a visão predominante, naquela época foram plantadas várias sementes que prepararam o caminho para as fortes mudanças que viriam a partir do quarto século. Talvez, a influência mais forte, responsável, pelo menos em parte, pelos demais fatores de mudança, tenha sido a filosofia grega, em geral, e o gnosticismo, em particular. Embora vários líderes e pensadores cristãos tratassem de combater essa tendência, outros tentavam abertamente aproveitar o pensamento grego e conciliá-lo com o cristianismo.

Uma das ideias gregas que mais contaminou o cristianismo foi a de que a matéria é má por natureza e que precisamos livrar-nos do corpo e do mundo material para alcançar perfeição num Céu que é totalmente espiritual e transcendental.

Outro fator de mudança, decorrente em parte desse desprezo por tudo o que é terreno e visível, foi a introdução da interpretação alegórica das Escrituras. Como o Velho Testamento (que até meados do segundo século depois de Cristo era a única Bíblia da Igreja) fala muito de um povo natural e do reino na Terra, alguns pais do segundo século (dentre os quais, destacam-se Clemente e Orígenes) começaram a transformar essas passagens em alegorias para evitar os conflitos que uma interpretação mais literal poderia trazer. O Velho Testamento passou a ser visto, cada vez mais, não como uma parte importante do plano de Deus, mas apenas como uma história simbólica cheia de figuras das verdades espirituais e invisíveis.

O terceiro fator foi o distanciamento entre a Igreja e os judeus. Embora os primeiros cristãos fossem todos judeus, depois da abertura para os gentios, a Igreja foi aos poucos se desligando de suas raízes originais. Houve várias causas para isso, uma das quais foi a destruição de Jerusalém em 70 d.C. O método de interpretação alegórica também contribuiu, fazendo com que os cristãos desprezassem a história da nação de Israel e o entendimento judaico das revelações de Deus. Isso preparou o caminho para a Igreja se considerar o novo Israel de Deus, herdeira de todas as promessas do Velho Testamento (num sentido espiritual), deixando Israel como povo e nação completamente fora.

2. Amilenismo

Como resultado dos três fatores citados acima, veio uma nova visão escatológica conhecida como amilenismo. O maior responsável por torná-la predominante na Igreja foi Agostinho (354-430 d.C.). Como alguns de seus antecessores e contemporâneos, ele não conseguia aceitar a ideia de um milênio com prazeres terrenos defendida pelo pré-milenismo. Usando o método de interpretação alegórica, Agostinho explicou o milênio de Apocalipse 20 como um período simbólico que representava o Reino que Jesus inaugurou em sua primeira vinda. Como resultado da vitória de Cristo na cruz, Satanás (o homem valente de Mt 12.29) foi preso no sentido de não mais poder impedir o avanço do Reino para todas as nações.

Com o fim da perseguição da Igreja no quarto século, a expectativa do cumprimento das profecias apocalípticas ficou mais distante. O Apocalipse começou a ser interpretado como uma visão da história da Igreja e não somente do tempo do fim.

O termo amilenismo, que só começou a ser usado no século 20, vem do conceito de que não haverá um reino de Jesus aqui na Terra. O milênio está acontecendo agora no reino espiritual, desde a primeira vinda de Jesus, e terminará quando ele voltar para ressuscitar os mortos (justos e injustos), trazer o juízo final e introduzir o Reino eterno.

Essa perspectiva escatológica foi a que mais perdurou em toda a história da Igreja. Foi adotada pela Igreja Católica desde o tempo de Agostinho, pela Igreja Ortodoxa e pelas igrejas da Reforma (de Lutero, Calvino e outros). Mesmo assim, sempre houve grupos dissidentes e minoritários dentro e fora das igrejas institucionais que acreditavam em alguma forma de pré-milenismo.

Embora não possa ser considerada uma característica obrigatória do amilenismo, é correto dizer que, tanto na história católica quanto na protestante, os amilenistas geralmente não alimentavam muita expectativa da volta de Cristo. Havia pouca menção da Segunda Vinda e pouca expectativa de qualquer mudança na Igreja antes disso.

3. Pós-milenismo

Outra linha de pensamento, chamada pós-milenismo, surgiu no século 17 com Daniel Whitby da Inglaterra, mas alcançou mais destaque no período do Primeiro Grande Despertamento a partir da década de 1730. Jonathan Edwards foi o maior responsável por torná-la conhecida e respeitada.

A grande novidade do pós-milenismo era a visão de uma igreja triunfante em toda a Terra antes da volta de Jesus. De acordo com eles, o milênio não foi inaugurado com a primeira vinda de Jesus (conforme ensinam os amilenistas), mas começaria de forma gradativa, em algum momento na presente era, por meio de intervenções do Espírito Santo (avivamentos) que levariam a Igreja a cumprir integralmente sua missão de discipular as nações (Mt 28.19) e estender a autoridade de Jesus a todos os povos. Dessa forma, o Reino permearia toda a massa e encheria a Terra, exatamente como Jesus explicou nas parábolas do fermento e do grão de mostarda (Mt 13.31-33).

O nome pós-milenismo se refere à perspectiva de que a volta de Jesus seria depois do milênio, o período de triunfo mundial da Igreja. De todas as linhas escatológicas, essa é considerada a mais otimista, no sentido de crer que o mundo será transformado pela Igreja nesta era. Foi a visão predominante na igreja norte-americana e inglesa durante os séculos 18 e 19.

Embora tenha sido rejeitada pela maioria da Igreja a partir do século 20 (em grande parte por causa das guerras mundiais e da percepção de que o mundo não estava sendo transformado pela Igreja), o pós-milenismo foi responsável pelo período de maior engajamento da Igreja na transformação da sociedade, combatendo a escravidão, a injustiça, a pobreza, a discriminação das mulheres e muitos outros males. Foi uma época de grandes avivamentos e expansão missionária. Sem dúvida alguma, a visão do plano de Deus afeta nossa escatologia, e a escatologia afeta nossa prática!

No lado negativo, muitos pós-milenistas, a partir do século 19, adotaram uma visão natural de transformação gradativa do mundo por meio de um evangelho social, sem muita ênfase no poder e na intervenção do Espírito Santo.

4. Pré-milenismo dispensacionalista

No século 19, houve um retorno ao pré-milenismo, porém com algumas diferenças fundamentais em relação ao pré-milenismo histórico dos primeiros séculos. Esse novo pré-milenismo, que seria conhecido como dispensacionalista por dividir o plano de Deus na Bíblia em etapas bem distintas chamadas dispensações, levou várias décadas para ser mais aceito e só se tornou a visão escatológica predominante nas igrejas evangélicas no século 20.

A semelhança entre as duas linhas de pré-milenismo é que ambas interpretam o milênio de Apocalipse 20 como um período literal em que Jesus reinará na Terra depois da Segunda Vinda. A diferença é que o pré-milenismo dispensacionalista coloca uma vinda secreta de Jesus antes da tribulação, em que a Igreja será arrebatada para o Céu. Durante a tribulação e o domínio do anticristo, a nação de Israel será preparada para aceitar o Messias e ser a base do Reino milenar. Assim, haveria dois planos de Deus para dois povos distintos: um reino espiritual para a Igreja no Céu e um reino terreno para Israel na Terra. A Segunda Vinda ocorreria em duas etapas, uma secreta para arrebatar a Igreja antes da tribulação e outra visível no final da tribulação.

Não há um consenso sobre as circunstâncias exatas em que a ideia de um arrebatamento secreto surgiu. Sabe-se que a pregação de um evangelista escocês, Edward Irving, despertou grande interesse na Inglaterra, no final da década de 1820, ao enfatizar a iminência da Segunda Vinda. As reuniões eram acompanhadas por dons espirituais, principalmente visões, profecias e línguas. Em uma dessas reuniões, houve uma profecia sobre a Segunda Vinda que alguns identificam como a origem da doutrina do arrebatamento. Porém, nos escritos que documentaram a profecia, parece não ter havido uma declaração muito explícita sobre isso.

A pessoa que desenvolveu e difundiu a teologia do dispensacionalismo foi J. N. Darby (1800 – 1882), um dos líderes de um movimento de restauração da igreja chamado Plymouth Brethren, Irmãos Unidos ou simplesmente Irmãos (no Brasil, Casas de Oração). Embora o movimento fosse voltado principalmente para o estudo das Escrituras e não encorajasse manifestações de dons sobrenaturais, Darby esteve nas conferências que surgiram como resultado do despertamento profético de Irving e seus seguidores. Não sabemos exatamente como ele desenvolveu suas doutrinas escatológicas, mas o fato é que foi ele o responsável pela formulação inicial do dispensacionalismo e pela doutrina do arrebatamento secreto pré-tribulacionista.

Depois de séculos de interpretação alegórica das Escrituras e uma ausência do senso de iminência e expectativa pela volta de Jesus em grande parte da Igreja, o pré-milenismo trouxe uma forte mudança de visão para toda a teologia evangélica. Enfatizando a interpretação literal das Escrituras (a aceitação do texto no sentido que tinha quando foi escrito), o futuro de Israel no plano de Deus e a possibilidade de Jesus voltar a qualquer momento, a nova perspectiva escatológica mudou radicalmente a face do movimento evangélico do século 20.

Enquanto os teólogos das grandes igrejas históricas pendiam cada vez mais para o liberalismo, com sua Alta Crítica (questionando a autenticidade e inspiração das Escrituras), o movimento dispensacionalista se organizava como a única defesa viável da fé que “uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3). Contribuíram para fortalecer a posição dispensacionalista dentre os evangélicos o estabelecimento de institutos bíblicos (dirigidos por dispensacionalistas), como alternativa aos seminários teológicos liberais, e a primeira Bíblia de estudo, a Bíblia Scofield com suas anotações dispensacionalistas, publicada em 1909. Como a visão escatológica de um arrebatamento secreto e de propósitos separados para Israel e a Igreja fazia parte do mesmo pacote teológico de defender o cristianismo contra ataques liberais, o dispensacionalismo começou a ser visto como parte essencial dos fundamentos da fé. Quem não aceitava as premissas escatológicas era visto como liberal, como alguém que não aceitava a verdade bíblica. Com isso, surgiu a imagem do fundamentalista intolerante como sinônimo de dispensacionalista.

Análise Final

Podemos dizer que grande parte da história da Igreja foi dominada por uma perspectiva escatológica que interpretava o Reino de Deus como um reino espiritual, presente, representado pela Igreja que tomou o lugar de Israel como povo de Deus na Nova Aliança. Com isso, pouca importância era dada ao plano de Deus com a nação de Israel no Velho Testamento e à consumação futura desse plano com um reino milenar na Terra. Além disso, houve fortes sentimentos e atitudes antissemitas durante muitos períodos da história, tanto por parte da Igreja Católica quanto da Protestante. Algumas pessoas até conseguiam entender as profecias do apóstolo Paulo em Romanos 11 sobre a futura restauração dos judeus aos propósitos de Deus, mas geralmente previam uma grande conversão de judeus, não uma restauração do povo à sua terra ou um futuro profético para a nação.

Foram os dispensacionalistas que viram que as promessas de Deus ao povo de Israel seriam cumpridas literalmente, e isso no século 19, quando ainda não havia sinais dos grandes acontecimentos do século 20. Quando Israel voltou a ser nação em 1948, cumprindo diversas profecias do Velho Testamento, os dispensacionalistas o consideraram como grande confirmação de todo o seu sistema escatológico.

De maneira geral, a grande maioria das igrejas evangélicas continua adotando a escatologia dispensacionalista, sem muito questionamento. Quem pensa diferente geralmente não tem coragem de manifestar-se, por se considerar em desvantagem e por viver há tanto tempo sendo considerado praticamente um herege. Quem ouve uma opinião diferente às vezes se espanta por nunca ter imaginado que existissem outros pontos de vista. Isso ilustra a desconexão de grande parte dos cristãos com a história, pois, durante 17 séculos, a ideia de um arrebatamento secreto e a possibilidade de a Igreja não passar pela tribulação jamais foram cogitadas.
A seguir, algumas conclusões importantes:

1. Cada linha enfatiza um aspecto da escatologia e esquece outros.

A maioria das divergências doutrinárias na Igreja é resultado de visão parcial, tanto de um lado quanto de outro. Precisamos aprender a valorizar as contribuições de cada ênfase e incluí-las numa perspectiva mais ampla, e não combater e rejeitar aquelas que são diferentes da nossa. De forma resumida, podemos dizer que o pré-milenismo histórico dos primeiros séculos enfatizou a necessidade de enfrentar o sofrimento na tribulação e estar preparado para glorificar a Jesus no meio dela. O amilenismo enfatizou o reino espiritual que Jesus inaugurou na Primeira Vinda e a autoridade sobre Satanás que já pode ser exercida pela Igreja. O pós-milenismo enfatizou o triunfo que a Igreja foi incumbida de alcançar antes da Segunda Vinda, transformando a sociedade, a cultura e os governos. O pré-milenismo dispensacionalista trouxe a interpretação literal das Escrituras, resgatando verdades sobre Israel e o plano de Deus que estavam esquecidas há séculos. Renovou uma expectativa viva pela Segunda Vinda de Jesus.

2. As circunstâncias históricas, incluindo condições políticas e culturais do mundo e reações a exageros anteriores, tiveram grande influência no surgimento de cada linha.

O pré-milenismo histórico foi a primeira linha e reflete de forma mais próxima o pensamento dos escritores do Novo Testamento. Estava bem alinhado com as condições de perseguição que já existiam nos tempos apostólicos. O amilenismo foi influenciado pelo fim da perseguição à Igreja e pela filosofia grega de pensamento alegórico. O pós-milenismo refletiu o otimismo que prevalecia no período de expansão da influência britânica e norte-americana. E o pré-milenismo dispensacionalista foi uma reação a séculos de interpretação alegórica e desprezo à contribuição de Israel natural ao plano de Deus. As condições mais pessimistas do mundo no século 20, durante e após as guerras mundiais, também contribuíram para fortalecer essa linha de pensamento. Ao mesmo tempo em que se observa que cada linha tinha uma função importante para equilibrar exageros anteriores e trazer uma contribuição relevante para aquele momento histórico, pelo mesmo motivo devemos entender que cada uma é incompleta sozinha e incapaz de representar a verdade como um todo.

3. Incoerência e convergência.

Atualmente, existem defensores de todas as quatro linhas, embora o pré-milenismo dispensacionalista continua sendo a mais popular e difundida. Porém, a variedade de pensamento é muito maior do que as quatro perspectivas descritas aqui. Por isso, seria um grande erro rotular as pessoas e concluir que elas concordam com todos os itens de determinada linha escatológica. Aliás, hoje as pessoas fazem uma grande salada de ideias que nem caberiam dentro de uma linha coerente de pensamento. Por exemplo, o triunfalismo, que prevê uma grande expansão da influência transformadora da Igreja em toda a sociedade, não é compatível com a previsão dispensacionalista de que o mundo só vai piorar, e a Igreja será retirada do mundo antes da tribulação final. No entanto, muitos cristãos hoje acreditam nas duas coisas, sem qualquer tentativa de conciliar essas ideias com uma visão mais ampla do plano de Deus. Qual é o plano de Deus – levar a Igreja a triunfar e mudar o mundo ou tirar a Igreja do mundo e aguardar a Segunda Vinda para implantar o Reino?

Por outro lado, algo muito interessante está acontecendo: pensadores e teólogos de todas as linhas estão convergindo cada vez mais para alguns pensamentos em comum que seriam impensáveis há pouco tempo. Amilenistas, que não falavam de um reino a ser estabelecido na Terra, estão entendendo que o Reino eterno será mesmo na Terra renovada e que Israel voltará a fazer parte do plano de Deus. Dispensacionalistas têm mudado mais de uma vez ao longo do último século, amenizando a separação tão radical entre o plano de Deus para a Igreja e para Israel. Até criaram uma nova linha de pensamento chamada dispensacionalismo progressista, que vê mais união nas etapas do plano de Deus e entre o reino espiritual e natural.

Algumas diferenças continuam, mas a distância entre elas está diminuindo. Isso é consequência natural de uma visão cada vez mais clara do plano de Deus como um todo. Ali está a chave para entendermos melhor para onde Deus está conduzindo a história e como podemos cooperar com ele, andando em harmonia com todas as diversas correntes do seu povo na Terra.


Autor: Christopher Walker
Fonte: Revista Impacto